segunda-feira, 28 de março de 2011

Sonho : Parte II

Já quis ser de tudo nessa vida. Como toda menininha que se preze, a já quis ser, dona de casa, professora, médica pediatra e veterinária. Quando ganhei uma boneca com roupinha de marinheira, decidi que também gostaria de entrar para a Marinha. (Não sabendo que mulheres não são bem-vindas nas Forças Armadas). Ainda na década de 80, quando os programas de Miss quebravam recordes de audiência, sentir uma vontade louca de ser Miss Brazil (Brazil com Z, é claro!). Ao assistir o filme Indiana Jones, quis ser historiadora. No ano da comemoração dos 20 anos da chegada do homem á Lua, quis ser astronauta.(Desistí logo depois da primeira aula de Física)


Já no ensino médio, parei de pensar como criança, querendo tudo o que vê, e decidi pensar sério sobre este assunto. Fui procurar fundo o que realmente queria. Repensei todas as profissões em que um dia sonhei em praticar. Uma a uma, fui descartando-as. Daí percebi que entre a professora, a astronauta e a marinheira eu queria ser escritora. Isso eu nem saia repetindo por ai, pois já era óbvio. Por essas e por outras, decidi que deveria estudar Jornalismo. Como era uma mocinha emancipada, tinha que pensar no meu próprio sustento, pois na década de 90 ser sustentada pelo marido era coisa fora de moda, brega mesmo. Por isso, escolhi o curso de Publicidade e Propaganda. Bem versátil, poderia ser criativa para ganhar dinheiro ao mesmo tempo.


Resultado? Sou uma bancária desempregada. Passei os últimos anos trabalhando em lugares desejados por todos como a Volkswagen do Brasil e o Rabobank Nederland, que apesar do nome, é o maior banco da Holanda.


Durante esta última aventura, tive até um certo progresso e uma promoção relâmpago, tão relâmpago que não durou muito tempo. Para ser clara, durou 2 anos. Depois de dois anos de muito stress e insatisfação ouvi o meu chefe me dizendo:


‘Você estudou Comunicação não foi? Já pensou em voltar para essa área? Se quiser eu te ajudo, te demitindo...’ Bem, ele não falou exatamente te demitindo, mas foi isso o que escutei e foi isso o que ele realmente fez.


Desde de então estou aqui, procurando algo que não tenho a mínima ideia do que seja. Procuro ‘qualquer coisa’, mas qualquer coisa está difícil de encontrar.


Não me sinto uma coitada ou uma vítima. Me sinto quase uma privilegiada por poder procurar essa tal de ‘qualquer coisa em paz’. Fico até feliz por ter tido aquele papo horrível com o meu chefe, quando pela primeira vez (mas não a última) não consegui segurar o choro. Parecia criança na sala do diretor da escola.


Durante esse processo todo, fiz cursos, li livros e conversei com muita gente.


A todo o momento me perguntavam: ‘O que você gostaria de fazer? Do que você gosta? Quais sãos os seus sonhos? O que te dá prazer na vida? ‘


A minha resposta era: ‘Qualquer coisa. Gosto de tudo. Me adapto a tudo.’


Nunca foi tão difícil achar ‘qualquer coisa’.


Então, não sabendo onde achar essa ‘coisa’, fui a um bar com uma amiga. Jogar conversa fora, contar sobre as minhas férias e ouvir como foram as férias dela. Falamos e tudo isso e mais um pouco. Foi uma noite divertida, ao som de música dançante e regada a vinho tinto.


Chegando em minha casa, ela bateu o olho na minha nova pintura, que dei o estranho nome de “Sonho: Parte II”. (Quem conhece o sonho e viu a pintura sabe do que estou falando). Enquanto eu fazia o cafezinho, ela ficou parada, observando o quadro, quase sem piscar.


‘O que quer dizer esse quadro?’


‘Me diga o que você vê nele, amiga.’


Ela começou a descrever o que via; uma pessoa cortada em dois, um lado feliz, outro triste, um risco no meio, uma mão calando a boa, a cabeça maior de um lado, um lado sem orelha e o fundo bagunçado de um lado e organizado o outro.


Contei o sonho, e que essa ideia tive durante as férias e contei o que cada coisa simbolizava para mim.


‘Por que o funda tá bagunçado aqui? Ele deveria esta organizado aqui e não bagunçado!’


‘Não, desse lado não tem jeito, o fundo é bagunçado mesmo. Desse lado, não é preciso organizar nada.’


Ela ficou quieta, com os olhos arregalados e brilhantes. Pensei que ela fosse chorar.


‘Era sobre isso que estava falando com você lá no bar!’


Neste momento achei a tal ‘qualquer coisa’ que eu procurava. Esse olhar, esse sentimento, e essa discussão gerada por um quadro que EU pintei, isso não tem preço. É disso que gosto, era esse o meu sonho é isso que me dá prazer na vida.


Nesta noite tive a pachorra de discordar de Fernando Pessoa, quando ele diz que “o poeta é um fingidor, finge tão completamente que chega a fingir que é dor a dor que deveras sente." Concordo com o meu amigo Miguel, que me disse: “o artista é na verdade um autista (até rimou!), que faz a arte dele, pensando só nos sentimentos dele. Em nenhum momento ele envolve os outros. O artista de sucesso, é o cara tem a sorte de achar alguém pensa e sente como ele.”


Concordo com o meu amigo e filósofo de botequim Miguel. Eu não finjo nada, eu faço qualquer coisa mesmo, mas tive a sorte de achar alguém que se emociona com isso. E isso, meus amigos, isso não tem preço!


Os bônus que eu ganhava do Rabobank nos bons tempos pagaram (e ainda pagam) as minhas contas. Mas a lagriminha nos olhos da minha amiga, pagou tudo!


sábado, 26 de março de 2011

Quando o vinho sobe….

Já vou logo avisando que bebí um pouco... Quando bebo, só faço o que me dá na cabeça, ou melhor, o que me dá no coração.
Fazer o que me dá da cabeça, faço sem beber mesmo. A razão, a lógica é comigo mesma. Mas com uma taça de vinho a mais, vejo as coisas com mais clareza. Quando a bebida domina a cabeça, me libero, deixo rolar, me entrego. Por isso resolví escrever agora, as 3 da manhã, com uma taça de vinho branco na mão e varias de vinho tinto na cabeça. Só quero ver no que vai dar...
Como teria sido a minha vida se tivesse bebido mais? Não digo no sentido de beber, encher a cara, tomar todas, se emborrachar, ficar breaco, de ver tudo duplo, de trançar as pernas. Digo no sentido de me soltar, pensar menos e agir por impulsos, só ouvindo o que quero e o que sinto no momento da ação. Será que teria me policiado tanto? Será que teria sido a filhinha mimada? A intelectual da classe? A certinha? A durona? A difilcil? A nerd? A incompreensível? A incompetente? A fujona? A meiga? A politicamente correta? A dona da verdade? A confiavel? A que faz tudo certinho?
Acho que se tivesse passado a minha vida toda com uma doses a mais na cabeça, acho que teria me comportado como alguém que bebeu mais do que devia: estaria cagando em andando para tudo e para todos.
Não estou aqui promovendo o alcoolismo, mas acho que uma boa dose a embriagues é necessária para manter as nossas vidas em balanço. É preciso errar, mentir, trair, roubar, xingar para se entender com a vida funciona. Quem nunca errou, não sabe o que é estar certo. Quem nunca mentiu, não sabe o que é a verdade. Quem nunca traiu, não sabe como é ser fiel. Quem nunca roubou, não sabe o que é se esfolar para conseguir o que quer. E quem nunca xingou não sabe como é bom mandar todo mundo para aquele lugar!
O moral dessa história? O moral não existe. Quando se bebeu um pouco mais do que o limite permitido, sente-se mais, se diz a verdade e se age por impulso. Só amanhã saberei as consequências dessa bebedeira. Amanhã me arrependo do que fiz hoje, mas hoje quero só aproveitar o zun-zun-zun que esse vinho (barato) está causando na minha cabeça. Amanhã tomo uma aspirina, e tudo bem... Amanhã fica para amanhã. Hoje sou eu, minha taça de vinho branco (barato) e minha bebedeira....

Epigrama n° 7

A tua raça de aventura
Quis ter a terra, o céu, o mar.
Na minha, há uma delicia obscura
Em não querer, em não ganhar...

A tua raça quer partir, guerrear, sofrer,
Vencer, voltar.
A minha raça não quer ir nem vir.
A minha raça quer passar.

(Cecília Meirelhes)

sexta-feira, 25 de março de 2011

Processo criativo tela: “So much Trouble in the world”


Esta continua sendo a minha tela favorita. O resultado da tela ficou melhor do que eu imaginava.

A inspiração para as formas geométricas e os motivos surgiram no Museu de Arte Aborígena Contemporânea de Utrecht. Além dos trabalhos aborígenes, havia uma exposição do artista plastico holandês Karel Appel.

As estampas tribais dos artistas aborígenes e as cores primárias das telas de Karel Appel chamaram a minha atenção.

A epifania mesmo, surgiu quando eu saí do museu e fui caminhando no centro de Utrecht até a estação de trêm. Passando por uma loja de artigos de decoração, ví umas almofadas coloridas, colocadas lado a lado em uma estante branca. Eureka!

Escolhí cores alegres e liguei o som do Bob Marley.

A tela ficou alegre, colorida, viva e fresca, como o som do Bob Marley!

Ao som da música “So much trouble in the world” eu dei os toques finais na tela. Por isso batizei a pintura com esse nome.

A letra da música não tem nenhuma influência na pintura. Fui o ritmo gostoso que me embalou.

Processo criativo tela: Buiten de kaders lopen (Andar fora da moldura)

A inspiração para a tela veio durante uma aula de yoga. Veio uma imagem em minha cabeça, assim do nada. A imagem não era nítida, apenas uma mistura de cores e formas.

As cores eram: vermelho, cinza e braco. O fundo devia ser vermelho sangue com borrões em branco e cinza. A forma viria ao centro; um esboço de um corpo humano (feminino).

A tela em sí, ficou bem diferente do que eu imaginei, haja visto que não tenho experiência com o desenho (imagine desenhar um corpo humano!). O fundo ficou ótimo, exatamente como eu imaginava, mas o humano.... pareceia desenho de criança. Detestei o quandro. Na tentativa de salvá-lo, estraguei-o ainda mais, colocando mais borrões ao fundo.

O quadro ficou nervoso, uma zona! Deixei o quadro de lado um dia.

Decidí não desistir. Como o quadro já estava meio louco mesmo, pintei pernas e braços enormes, desproporcionais, saindo do quadro.

Era isto! O humano deveria sair da moldura!

Precisei de vários dias para gostar da tela.

Que loucura, bem essa tela costuma receber elogios!


sexta-feira, 18 de março de 2011

Mesa para um, por favor

Ontem decobrí uma nova casa de café aqui em Hilversum. Como muitos de vocês já sabem, tenho paixão por estas casa. Ai no Brasil sempre dou um pulinho no Café do Ponto ou no Frans Café. Tem um ano que me presenteio todos os dias com um cappuccino ou um latte macchiatto fora de casa.

Percebí algumas diferenças entre as casas de cafés dos dois paises, além do preço, é claro.

No Brasil há últimamente uma preocupação maior com a decoração, mas neste quesito a Holanda ainda ganha. Esta nova casa de café é divina! Tem um clima lounge e dá para perceber que a decoração ficou por conta de um decorador profissional. Mais do que o café, eles vendem o ambiente. A casa de café é a sala de estar que você sempre quis ter.

No país do café, a qualidade e a quantidade é que atrai o público. As grandes redes já possuiem um formato pronto, que dá a casa uma cara de barzinho. O café tem que ter cara de café mesmo, um lugar onde as pessoas se encontram para jogar coversa fora, olhar o movimento e, é claro, tomar um cafézinho.

Durantes as minhas visitinhas ao Café do Ponto, me sentia quase um ET, pois eu era a unica pessoa não acompanhada do local. As maioria das pessoas, principalmente as mulheres, estão acompanhadas de amigas, filhos, marido, mãe, sogro. Seja lá o que for, mas nunca sozinhas. As vezes me pergunto se essas pessoas tão bem acompanhadas no fundo, bem lá no fundo, também se sentem sozinhas. Por mais que agente tente dividir todos os momentos com outras pessoas, ainda continuamos sendo indivíduos, diferentes uns dos outros, ímpares.

Na Holanda ser solteiro ou sozinho não é tabu. Já existe um mercado voltado trintões e quarentões solteiros, ou como ele mesmo dizem: os Happy Singles.Eu sou uma Happy Single. Neste café, por exemplo, existe uma mesa grande, como uma mesa da sala de jantar, com vária cadeiras. A mesa é decorada com flores, jornais e revistas. E sempre há uma luminária com design moderno iluminando a nossa leitura. Esta mesa fica geralmente ao centro da loja. Por causa das revista, sento-me sempre nela.

Como sempre, pedí um cappuccino e fui direto para a mesona com as revistas. Após uns 5 minutos chegou um homem bonitão, com aproximadamente 40 anos. Ele também escolheu a mesona. Perguntou educadamente se eu estava lendo o jornal a minha frente. Eu disse que não, que ele poderia ler o jornal a vontade. Ele pegou o jornal e certificou-se de sentar-se na minha frente, mas há umas 3 cadeiras de mim, afinal ele é holandês e não quer invadir o meu espaço (ou solidão?)E ficamos lá, cada um com a sua leitura, cada um no seu mundo, juntos sozinhos. Quando ele não me olhava, eu dava uma espiadinha, quando eu não olhava ele dava uma espiadinha. E assim ficamos...

O que é melhor? Se rodiar de gente para não ver a própria solidão? Ou adimitir a solidão, sentar na mesa dos solteirões e juntos negarem o óbvio?

quarta-feira, 16 de março de 2011

Ir embora

Todo ano é a mesma coisa; depois de uma temporada nos trópicos com a familia e amigos, digo adeus bravamente, sem deixar cair uma lágrima e sem olhar para trás. Na sala de embarque, fico sozinha, olhando para o céu, observando as pessoas. Neste momento digo adeus ao Pais. Quando o avião começa a correr na pista... hmm nesse momento caio na real. Neste momento não só sei como sinto que estou indo embora. Quando o trem de pouso deixa de tocar o chão, já não me seguro mais... A única coisa que me consola é saber que tem mais trinta pessoas na mesma situação no avião: todos com nariz e olhos vermelhos, tentando disfarçar a emoção. Alias há um código entre nós de nunca nos entre olharmos e nunca perguntarmos; você está bem? Pois a reposta seria: O que você acha? Sim, nós expatriados somos mal humorados!

As doze horas seguintes são fisicamente pesadas, mas são necessárias também. É ótimo saber que não estou nem aqui nem lá. Estou literalmente no ar, entre o Brasil e a Holanda. Entre o passado e o presente. Mas e o futuro, onde fica?

Na viagem Brasil – qualquer capital da europa por onde se paga menos pela passagem, tento relembrar os bons momentos das férias. Curto tudo de novo, enquanto luto com o banco desconfortável do avião. A luta entre o antes e o agora é constante; penso nos dias de sol, no arroz com feijão, nos amigos e na família, enquanto os meus pés incham, me avisando que estou aqui, agora, num avião de volta para casa, não mais no quintal da outra casa, que na verdade não é mais minha.

Na chegada na cidade qualquer onde se paga menos pela passagem (este ano foi Roma), entro em choque. Ainda bem que não estou acompanhada, mas nos anos em que estava, na espera para o avião para Amsterdam eu não emitia um só som. Como pode? Em tão pouca horas chegar em um outro mundo?

No avião(zinho) devolta para a Holanda, nem sinto ainda pior. O cansaço físico e o emocional me deixam mal humorada e meio paranóica. A minha cabeça não para de pensar e não para de me perguntar: Meu Deus, o que faz ai? Você é mesmo feliz aqui? O que te atrai e o que te mantem aqui? Deveria voltar? Ou você só pensa isso porque teve umas férias maravilhosas?

Neste momento, olhei pela janelinha e ví os Alpes todos cobertos de neve, uma visão simplesmente divina! Um sentimento de gratidão tomou conta de mim, só por ter tido a oportunidade de ver uma imagem tão linda. Neste comento, como abracadabra um pensamento me veio a cabeça, como uma voz, me dizendo: “Angélica, você está cansada. Vá para a sua casa, durma, descançe. Deixe para pensar ou tomar decisões quando estiver fisicamente e emocionalmente descançada. Neste momento, não vai adiantar nada ficar se martirizando. Durma primeiro.”Acordei de um sono profundo já em Amsterdam, num dia ameno e cinzento.

Agora estou aqui, fisicamente descançada, emocionamente nem tanto. Mas todo ano levo uma semana para voltar emocionamente aos eixos.

Este ano vou dar ouvido a essa vozinha (a minha mesma) e vou pensar com carinho o que me prende a Holanda e o que me afasta dela. Minhas observações, conclusões, e noias (pff muitas nóias) vou expressar aqui, neste blog. Espero que este blog sirva como um momento de reflexão para mim e de diversão para vocês.

Um grande abraço da Angel